POR QUE ÁREAS COMO CIÊNCIA E TECNOLOGIA AINDA TÊM POUCAS MULHERES?

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Veja o que estudos e mulheres que escolheram essas áreas dizem sobre o assunto

 

“É importante mostrar para as meninas que a ciência não é um bicho papão. A constante representação masculina dificulta a identificação delas nestas áreas”, diz a cofundadora e coordenadora geral do Fundo Elas, Amália Fischer. Para Amália, é fundamental promover a ciência de forma igualitária entre meninos e meninas.

O Fundo Elas é o único fundo no Brasil voltado exclusivamente para projetos com foco na promoção dos direitos das mulheres. Através de editais promovidos pelo fundo, foi possível viabilizar, por exemplo, o programa Elas nas Exatas, que financia 10 projetos pelo Brasil para motivar a produção científica feminina.

“As meninas têm as melhores notas nas exatas e em outras disciplinas científicas, no ensino fundamental. Mas ao chegarem no ensino médio as notas diminuem e as chances de seguirem uma carreira na ciência também. O objetivo do fundo é fortalecer iniciativas capazes de mudar essa perspectiva”.

Em 2015, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) revelou que meninas se enxergavam mais em profissões ligadas à saúde (74%), enquanto os meninos se viam mais na área de engenharia (48%).

Esses dados refletem uma divisão por gênero no âmbito das áreas acadêmicas. Meninas são motivadas a seguirem carreiras em áreas do cuidado, enquanto meninos são estimulados a desenvolverem seu lado criativo.

De acordo com o estudo ‘Decifrar o código: educação de meninas e mulheres em ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM)’, publicado pela Unesco, em todo o mundo, apenas 30% das mulheres na educação superior escolheram campos de estudo relacionados a uma dessas quatro áreas.

Para a química e livre-docente pela USP Yvonne Mascarenhas, o distanciamento de garotas da ciência começa ainda na infância. “Basta você entrar numa loja de brinquedos e a primeira pergunta da vendedora é se o presente é para menina ou menino”.

“Se você consome tecnologia, usa iPhone ou notebook, você está neste meio. Esse é um território feminino também […]”

Observando esse cenário, Yvonne decidiu coordenar o projeto de Agência Multimídia de Difusão Científica e Educacional Ciência Web, que originou o Portal Ciência Web, que disponibiliza atividades e vídeos com o objetivo de complementar o ensino dos conteúdos científicos em escolas públicas e atrair as meninas para essas áreas.

“O problema é enorme e exige de fato um projeto de Estado para a educação, o que infelizmente até hoje não aconteceu. O que faço é uma gota no oceano, mas se ajudar alguns alunos a tomarem boas decisões para sua vida e para o Brasil, já terá valido a pena”.

Uma pesquisa apresentada pelo National Bureau of Economic Research, em 2015, revela que os professores dão notas mais altas às meninas quando não sabem que as provas corrigidas são delas. Os pesquisadores observaram três grupos de alunos entre o 7° ano e o Ensino Médio. Cada estudante fez duas provas, uma com e outra sem o nome.

Participantes de um dos programas apoiados pelo edital ‘Elas nas Exatas’. | Foto: Divulgação

As provas anônimas de matemática das meninas obtiveram notas maiores do que as dos meninos. Nas provas de matemática com os nomes, os meninos tiveram notas mais altas. E, nas provas de línguas, quase não houve disparidade entre as notas dos dois grupos.

“A educação só irá mudar se o comportamento e a percepção da sociedade mudar. Professores precisam ser capazes de promover um espaço educacional em que meninos e meninas possam se desenvolver com equidade”, comenta Amália Fisher.

Outra pesquisa que traz um panorama deste cenário foi realizada por especialistas das Universidade de Illinois, Nova York e Princeton (EUA).

estudo publicado pelo periódico Science mostrou que as noções de estereótipos de gênero começam a aparecer entre os 5 e os 7 anos. Com essa idade, muitas meninas já acreditam que os meninos sejam mais inteligentes que elas.

No estudo, uma história sobre um personagem “muito inteligente” era contada para as crianças, sem que ficasse claro em nenhum momento qual o sexo do personagem. Quando questionadas sobre quem protagonizava a história, meninas de 5 anos descreviam personagens femininas. Já entre as meninas de 6 e 7 anos, muitas achavam que se tratava de um personagem masculino.

AÇÕES INDEPENDENTES NA COMUNICAÇÃO

Ana Eliza Freitas, 37, é graduada em fisioterapia, mas não esconde a paixão que tem por programar. Hoje ela é especialista em engenharia e arquitetura de software, e ao lado de Jéssica Anelato, 28, produz o podcast ‘PodProgramar’.

“No começo, minha família estranhou. Minha irmã e eu não éramos incentivadas a seguir profissões tidas como masculinas. Mas quando eu descobri a carreira de programadora, minha família acabou me apoiando ao ver como estava empenhada”, conta Ana Eliza.

PodProgramar surgiu há três anos e conta com mais de 60 episódios publicados. No programa, Ana Eliza e Jéssica abordam conceitos de programação com foco no público feminino, comentando sobre mulheres importantes que atuaram na programação, esclarecendo dúvidas de carreira com convidados e aspectos do mercado de trabalho.

“No primeiro momento, recebíamos apenas o feedback de homens falando que era bom ter mulheres fazendo isso. Aos poucos as mulheres foram aparecendo. Elas falam do interesse delas pela área, contam que continuaram na profissão motivadas pelo podcast”.

Criar um espaço no qual elas pudessem debater foi fundamental para atrair suas ouvintes. “Levantamos a bandeira para mostrar que existem mulheres na programação. Queremos mostrar que elas podem e que não devem se sentir menos do que são”.

Alunas do projeto ‘Grupo Meninas na Ciência’| Foto: Divulgação

O veículo de informação ADA.vc tem como missão dialogar com mulheres e mostrar para elas que seu lugar também é na tecnologia, abordando aspectos da cultura digital e da internet, mas sob a ótica feminina.

Fundado por três jornalistas, o nome Ada é uma homenagem à matemática Ada Lovelace, responsável por criar a primeira versão de um programa de computador ainda no século XIX.

A programação e a tecnologia por muito tempo foram áreas dominadas pelas mulheres, até a década de 1960, quando homens passaram a ser maioria.

“Se você consome tecnologia, usa iPhone ou notebook, você está neste meio. Esse é um território feminino também, e com o ADA queremos aplicar a percepção disso”, conta Natasha Modov, cofundadora do ADA.

Natasha estava participando de um curso sobre Jornalismo de Dados quando Diana Botello apresentou o interesse em criar algo como o ADA. Elas começaram com um blog, que ficou um tempo parado e voltou à ativa no final de 2017, com uma nova parceira, Emily Canto. Todas reconheciam a falta de meios de comunicação que falassem com mulheres sobre tecnologia.

“A cobertura sobre tecnologia é muito centrada nos homens. As mulheres colocam suas produções como o trabalho da vida delas, e merecem ser reconhecidas. É muito prazeroso ver o retorno e a participação delas em nossos conteúdos”, diz Natasha.

Além dos conteúdos mais informativos e reflexivos sobre temas ligados à tecnologia, o site divulga vagas de empregos para elas, cursos e demais eventos que possam interessar.

O ESPAÇO É DELAS

Raquel Farias, 21, está cursando o 3° ano do curso de Biotecnologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A estudante sempre teve interesse pela área científica. “Eu ia bem em todas as disciplinas ligadas à ciência na escola. Isso dificultou um pouco na hora de escolher o curso na universidade”.

A jovem cientista sempre contou com o apoio da família, e pensava em cursar Astronomia, até descobrir a Biotecnologia em uma palestra na UFRJ.

Raquel Farias, estudante, cientista e pesquisadora da UFRJ. | Foto: Arquivo Pessoal

“Acabei mudando porque tinha aquele medo de não conseguir um trabalho e de que seria muito mais difícil. Acabei descobrindo coisas que me interessaram na biotecnologia, mas o curso acabou sendo uma surpresa. Muitas das coisas pelas quais estava interessada não estavam ali”.

Raquel acabou motivada pela Biotecnologia a pesquisar outras áreas relacionadas a ela, até que finalmente encontrou a área que desejava. “Nossa, quando eu me deparei com a Astrobiologia, foi enxergar a união das duas coisas que eu mais gosto”.

Ela procurou por uma professora de astrofísica – a única da instituição com experiência na área -, para orientá-la na produção de um projeto neste campo de estudo.  A linha de pesquisa escolhida era sobre os exoplanetas – planetas que orbitam uma estrela que não seja o sol.

“O projeto estuda a maneira como as órbitas dos planetas podem influenciar a temperatura. A nossa órbita é próxima do formato circular, por isso as temperaturas aqui na Terra não variam de forma extrema. Então, quanto mais circular for, menos variações teremos”, esclarece Raquel.

“Esse é um momento muito delicado para a ciência brasileira. Produzimos pesquisas incríveis com o pouco que temos, mas não deveria ser assim”

As pesquisas sobre os exoplanetas são fundamentais para determinar se planetas em outros sistemas são capazes de abrigar vida. Através destes dados, é possível determinar se as condições destes planetas são semelhantes às da Terra.

O projeto também busca determinar se os planetas observados estão em uma zona adequada de aproximação de suas estrelas, e se existe a possibilidade de encontrar água em estado líquido neles.

Com esse projeto, Raquel participou na AbGradCon 2019, uma conferência de Astrobiologia nos Estados Unidos. Para pagar a viagem, a estudante fez uma campanha de financiamento coletivo. A organização da Conferência deu 800 dólares para auxiliá-la, mas a quantia não era suficiente para cobrir todos os custos envolvidos.

“Com o momento que estamos vivendo de cortes nas universidades, eu sabia que não teria como a UFRJ ajudar com a viagem, e sozinha eu não teria como pagar. Então, a vaquinha foi a solução. Eu acho que dei sorte, porque muita gente ajudou e eu consegui alcançar 97% da meta”.

Para Raquel, o futuro da ciência brasileira é motivo de preocupação. “Esse é um momento muito delicado para a ciência brasileira, principalmente para as universidades públicas. Produzimos pesquisas incríveis com o pouco que temos, mas não deveria ser assim”, desabafa.

MENINAS PODEM E DEVEM FAZER CIÊNCIA

O projeto ‘Meninas SuperCientistas’ foi criado no departamento de matemática da Unicamp, sob orientação da professora Anne Bronzi e com auxílio de três alunas da universidade.

O objetivo do projeto é motivar meninas do Ensino Fundamental II de escolas públicas e particulares a seguirem carreiras em áreas científicas, e que usualmente recebem poucas mulheres nos cursos universitários.

Para a matemática Anne Bronzi, as meninas têm poucas referências de mulheres exercendo profissões em áreas científicas. O curso funciona como uma mudança para este paradigma.

Estudantes participantes do projeto ‘MeninasSuperCientistas’, na Unicamp. Foto: Matheus Urenha

Por: Mariana Lima / Observatório do Terceiro Setor

“Um mundo de oportunidades se abre para essas meninas. Os olhos delas brilham quando estão fazendo as atividades ouvindo essas mulheres. Elas perguntam o tempo todo, e perguntas relevantes para o tema”, conta.

Anne sempre teve interesse pela matemática. Participou de Olimpíadas e Maratonas que acabaram rendendo uma bolsa de estudos. “Isso abriu um leque de possibilidades para mim”.

A iniciativa é inspirada em outro projeto realizado pelas mulheres do Departamento de Geologia e Paleontologia do Museu Nacional na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

“Temos que mostrar a diversidade para elas. Não precisa fazer parte de uma determinada ‘caixinha’ para ser cientista. Ao verem essas profissionais, elas devem pensar: ‘Se ela chegou até aqui, eu também posso! ’ ”, comenta a matemática.

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