TRANSGÊNERO: COMO ALTERAR O NOME E O SEXO NO REGISTRO CIVIL?

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Atualmente, o assunto “transgênero” tem feito parte de muitos diálogos entre juristas e não juristas, sendo inclusive abordado em telenovelas que passam no horário nobre da televisão brasileira. Quem assiste a novela “A Força do Querer”, transmitida pela Rede Globo, tem acompanhado o drama vivido pela personagem Ivana, que se descobriu transgênero e está dando início à transição, já que pretende ser reconhecida como Ivan.

Falar sobre esse assunto é muito importante! Por isso, o Direito Familiar não poderia ficar de fora dessa! Além do que, precisamos manter nossos leitores atualizados!

De maneira resumida e objetiva, os transgêneros são pessoas que sofrem do que se pode chamar de “disforia de gênero”. Trata-se de um transtorno da identidade sexual, reconhecido pela medicina (CID 10 F64). Isso significa que a pessoa sente claramente que não é do gênero que fisicamente parece ser.

Assim, ela terá, por exemplo, todas as características físicas de uma mulher – seios, órgãos genitais femininos – no entanto, não se identificará com seu corpo, desejando ter um corpo mais masculino e, ser aceita socialmente. O inverso também pode acontecer, ou seja, em relação àquele que apresenta características físicas masculinas, mas se reconheceria melhor em um corpo feminino.

Frise-se que, o transtorno da identidade sexual não tem a ver com orientação sexual, ou seja, com se relacionar com homem ou mulher. É preciso separar as coisas.

O tema é bastante complexo, motivo pelo qual o objetivo do presente artigo, é, tão somente, explicar como funciona a retificação (correção) do nome e do sexo, no registro civil de pessoas transgêneros.

RETIFICAÇÃO DO NOME:

Manter o prenome (aquele que vem antes do sobrenome) constante no registro civil, para quem sofre de Disforia de gênero, fere gravemente o princípio da dignidade da pessoa. Isso porque,no meio social ela acaba sendo vista e chamada por um nome, enquanto que no seu registro constará nome que diverge de sua aparência.

Explicar no que se baseia a dignidade da pessoa é tarefa difícil, mas é certo que a felicidade é desejo de todo ser humano. Para o transexual, a felicidade está estreitamente ligada ao ajuste da sua realidade psíquica com a biológica. Negar isso seria ignorar a realidade psicológica do indivíduo e condená-lo à infelicidade dentro de um corpo que não reconhece como seu.

Por exemplo, para uma pessoa que na verdade se sente do sexo masculino, manter o nome feminino nos documentos, dificulta sua inserção social, fazendo com que possa vira passar por situações constrangedoras.

Sabe-se que, de acordo com a Lei de Registros Publicos, é permitida a alteração de nome em casos que ele acaba por expor a pessoa ao ridículo, e, portanto, a lei permite essa mutabilidade para garantir a dignidade dos cidadãos.

Vamos usar como exemplo a personagem da novela: Ivana se identifica com o gênero masculino, veste-se como tal e está inclusive fazendo tratamento hormonal a fim de adquirir características masculinas. Ora, por que não adequar seu nome à sua real identificação? Assim, Ivana passará a ser reconhecida como Ivan.

A retificação do nome no registro civil, visando adequar sua identificação à sua verdadeira identidade, influirá de forma decisiva na efetivação de sua cidadania e dignidade, evitando situações vexatórias.

RETIFICAÇÃO DO SEXO:

No que diz respeito à possibilidade de alteração do nome em registro, vimos acima que não há controvérsias e ela pode acontecer. Em relação à adequação do sexo no registro civil, porém, podemos encontrar diferentes entendimentos sobre o assunto.

Esta adequação consiste em alterar o “masculino/feminino” contido no registro de nascimento, para que fique de acordo com a nova identidade da pessoa.

No entanto, há operadores do Direito que entendem que, para corrigir o sexo da pessoa em seu assento de nascimento, é necessária a realização de cirurgia de transgenitalização.

Vamos aos posicionamentos:

Necessidade de cirurgia:

Os que seguem tal entendimento acreditam que os documentos públicos devem conter informações verdadeiras,de modo que, se o sujeito não realizou a cirurgia de mudança de sexo, o nome pode ser alterado, mas o gênero (masculino/feminino) deve permanecer o mesmo no documento, por ser o que representa a “verdade” biológica.

Assim, a alteração quanto ao sexo do indivíduo no registro só poderia acontecer quando ficar comprovado que aquele que pretende a alteração já realizou a cirurgia de redesignação de sexo (anatômico).

Ainda, para estes Operadores do Direito, a certidão de nascimento é um documento que visa atestar o nascimento de uma criança do sexo morfologicamente feminino ou masculino – ou seja, que possui os órgãos sexuais masculinos ou femininos no momento do nascimento.

Quem adota esse posicionamento também defende que manter o sexo no registro de nascimento não colocará a pessoa em situação de constrangimento, já que a maioria dos documentos de porte corriqueiro (RG, CPF, título de eleitor e carteira de motorista) não trazem informações quanto ao sexo da pessoa, bastando a alteração do prenome para que esteja em conformidade com a sua aparência.

Esse entendimento não é o da maioria e os Tribunais, grife-se, têm entendido de maneira diversa, conforme veremos abaixo.

Desnecessidade de cirurgia:

Segundo esta corrente, para que a retificação do sexo no registro civil ocorra, não é necessária a realização da cirurgia de transgenitalização.

Tal assunto inclusive foi tratado junto à 1ª Jornada de Direito da Saúde, promovida pelo Conselho Nacional de Justiça, na qual foram elaborados enunciados nos quais os julgadores podem se basear, dispensando a necessidade da cirurgia.

Ainda, a Constituição Federal tem como objetivos fundamentais a extinção das desigualdades sociais e o respeito à dignidade, de modo que, pessoas transgênero encontram-se constitucionalmente protegidas e possuem direito de viver sem a influência de preconceitos.

A afirmação da identidade de gênero compreende a realização do direito à vida digna, refletindo a realidade vivenciada por cada um, sem discriminações ou direitos negados.

Para os adeptos deste posicionamento, considera-se, também, que existem transexuais que não têm interesse em adequar a sua genitália à sua identidade de gênero. Tal escolha pode advir tanto de aspectos econômicos, da própria convicção pessoal ou religiosa, dos riscos possíveis da cirurgia e até de resultados insatisfatórios.

Manter no assento/registro de nascimento o sexo da pessoa transgênero, em detrimento de sua atual realidade psicossocial e morfológica, criaria obstáculos à inserção social e impediria a prática dos atos da vida civil (qualquer ato que exija a apresentação de documentos de identificação) de maneira digna, ou seja, sem que tenha de passar por situações constrangedoras.

Podemos imaginar, por exemplo, que a pessoa que não tenha cirurgia e, por isso, tenha eventualmente negado o pedido em relação à alteração do sexo no documento, acabaria tendo que prestar certas explicações quando do preenchimento de formulários, matrículas, etc. – já que o nome não corresponderia ao sexo declarado ali. É esse tipo de situação que se quer evitar – independentemente da realização de cirurgia.

Negar a alteração, pois, seria ignorar a realidade psicológica do indivíduo e, por conseguinte, condená-lo à infelicidade dentro de um corpo que não vê como seu.

Devemos observar que o procedimento de retificação de nome e sexo deverá correr judicialmente e deverão ser apresentados laudos psiquiátricos, psicológicos, endocrinológicos, que atestem a disforia de gênero; bem como certidões emitidas por cartórios distribuidores, de antecedentes criminais e cartórios eleitorais, a fim de verificar eventuais pendências no nome da pessoa que pretende alterá-lo.

Tal cuidado serve para garantir direitos de terceiros, tendo em vista que as retificações dificultariam a localização e correta identificação da pessoa.

ATUALIZAÇÃO:

Recentemente, o STF deu seu posicionamento sobre o tema, e, pelo julgamento da ADI 4275, reconheceu aos transgêneros a possibilidade de alteração de registro civil sem mudança de sexo!

Confira a notícia com detalhes da decisão: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=371085

Ainda, a Corregedoria Nacional de Justiça publicou o Provimento 73/2018, que normatiza a alteração dos documentos dos transgêneros, permitindo que seja realizada diretamente nos cartórios.

Texto originalmente publicado no DIREITO FAMILIAR.

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