LIVE DO IMPERADOR SEM TETO: RADICAL OU REALISTA?

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Já de cara, a Live abre no tom ácido: o Imperador Sem Teto chega rebolando no funk… Mas em cima de um sambinha… E o sambinha tem uma batida house… E o que se canta nesse samba-eletrônico é contraste direto com o Sem Teto rebolando: “só não quero que esqueça que esta luta não vem de hoje, viu?”. Entra um dançarino de saia, focado em se esfregar no Sem Teto… Rola um clima quente, a química perfeita com a letra: “maybe I wonder como FUCKING se perdeu la direção”. É você quem decide/julga se isso é uma ironia ou um protesto… Por enquanto.

 

“Só não quero que esqueça que esta luta não vem de hoje, viu?”

 

O teatro de Arthur Augustus, a música de Gabriel Muller, a dança de Juan Silva e a direção de Igor Kierke vão te conduzir, com muita maestria, por um emaranhado de estímulos sensoriais e provocações ousadas sobre nossa sociedade. Queria dichavar o show inteiro, mas paro os spoilers por aqui – as surpresas que a Live propõe tem uma importância – como dizer? – uma importância ‘sensível’ e também ‘moral’: o julgamento que você deu pra cena anterior pode voltar contra você na próxima cena.

Essas bifurcações de juízo moral – e as surpresas – vão intensificar progressivamente nos próximos minutos, em todas as direções, até que você se veja diante de um paradoxo brabo, brabo mesmo – impossível não tomar um lado. Tento explicar: os discursos são uma constante de contradições e fazem concordar e discordar quase ao mesmo tempo. Exemplo, você não concorda que pessoas matem outras pessoas e, sim, parece legítimo seu julgamento… mas, a próxima situação te põe diante de
uma mulher prestes a ser estuprada e matar é a única saída dela. Entende?

Durante o espetáculo, se percebe algo de sagrado na violência… Existe um “ódio santo” e é isso que o Sem Teto coloca diante da gente: o verdadeiro perigo foi vendido sob
embalagem de “segurança”. E compramos. O rótulo que vendia “conforto” nos deixou inertes. E a “Luz” que compramos como “esclarecimento” foi a mesma que nos cegou… Era luz demais.

Assista:

 

Em 10 minutos (metade da Live), as provocações soam como alertas necessários: cuidado com quem oferece amor: o inimigo é o lobo muito bem vestido de ovelha – e não é porque o lobo disse que ‘a ovelha é maldosa’ que ele passou a ser ‘bonzinho’. O slogan “Deus acima de tudo” pode convencer pessoas ao inferno. Fomos enganados. Estamos enganados. E se você pensou “mas eu não votei nisso”, os próximos 10 minutos são feitos sob medida pra você.

Uma guerra de discursos e narrativas está sendo representada agora, bem na sua frente. Você se permite pensar “quem mata um assassino é assassino também” e, surpresa, na próxima encruzilhada fica bem exemplificado que a reação do oprimido é incomparável à covardia do opressor. A miséria rende lucros aos milhões. A “utopia” já nos iludiu ao ponto de acreditar no diálogo, na democracia. O verdadeiro mito é a “riqueza lícita” e caímos nesse papo – é só comprar o juíz pra legalizar o roubo e apelidar de “juros” que nós pagamos.

Para o Sem Teto, é hora de saber onde aplicar o ódio, a santa treva! Basta um google e desvendamos a maior lenda urbana do século: quem é esse tal de “eles” que todo mundo fala? No Brasil, “eles” são 1% da população – as mesmas famílias desde a escravatura. Em 2020, apenas 6 pessoas retém mais dinheiro que metade da população brasileira. Esses são “eles”.

O Sem Teto propõe outro diálogo com essa gente: a guilhotina. E não mede palavras: “queremos a morte da miséria e isso inclui decapitar os bilionários em praça aberta”.
Nesse momento, a gente se pergunta se isso é certo e (por que será?) temos certa piedade dessa gente… O Sem Teto dá uma saída gentil: “ou distribui as terras, ou ricos vão morrer… e distribui a renda se quiser sobreviver”. É um ultimato mesmo. Estamos frente ao último paradoxo: se reagir é terrorismo, quão aterrorizante é existirem bilionários? Por que seria crime se é Legítima Defesa?

Se ainda ficar em cima do muro, vale se perguntar quem são os donos desse muro… E por que eles construíram muros – afinal, somos 99% né? Talvez, isso justifica um final tão debochado pra Live: não somos nós que precisamos deles, eles que precisam de nós.

 

Saiba mais:
https://linktr.ee/imperadorsemteto

Por: Micael Vizcarra
Foto de Roger von Kruger/Arte de Paulo Jaco

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