ÀS VESPERAS DO NATAL, MAIS DE 300 FAMÍLIAS PERDEM SUAS CASAS NA CIC

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Desumanidade em forma de ação judicial envolveu cerca de 500 PMs, tratores, cavalaria e casas destruídas

 

Por: Larissa Santin e Saulo Schmaedecke

 

Na noite de quarta-feira, 16 de dezembro, a comunidade da vila Nova Guaporé foi informada de que receberia uma ordem de despejo por parte do proprietário do terreno. O espaço era ocupado há três meses por cerca de mil pessoas e está localizado na CIC, próximo ao limite do município de Araucária. 

Preocupados, os moradores realizaram uma manifestação durante a madrugada no Contorno Sul, às margens da BR-376, de maneira pacífica e organizada, no intuito de chamar a atenção dos órgãos públicos para a situação que viria a seguir. O bloqueio na rodovia gerou um engarrafamento de quatro quilômetros. 

Os moradores se recusaram a acreditar que o documento de reintegração de posse seria entregue no dia seguinte pela manhã, dando a eles um tempo mínimo para o transporte de seus pertences a endereços incertos.

Momento da desocupação da Vila Nova Guaporé, na CIC. Foto: Rafael Bertelli

 

Contudo, às 5h da manhã do dia 17, a comunidade foi novamente surpreendida pela presença de mais de 500 policiais militares armados e acompanhados da cavalaria e de tratores para despejá-los. O prazo para fazer a mudança, segundo moradores, foi de uma hora. 

Com a ação, 311 famílias ficaram sem casa às vésperas do Natal. Muitos conseguiram sair das casas apenas com a roupa do corpo. Entre as pessoas, uma criança de 21 dias. 

Lucineia Aparecida da Silva, 47 anos, moradora da ocupação, hoje hospedada provisoriamente na casa de parentes, conta em ligação emocionada ao Jornal da CIC que perdeu absolutamente tudo.

“Quando a polícia chega, você vai pra onde? A minha casa era de um cômodo só. Morava eu, meu marido, minhas três filhas e dois netos. A vida de quem vive em ocupação é muito incerta. Nós não estamos lá porque queremos, é porque precisamos. A gente investe dinheiro para construir a nossa casinha. Perdi tudo. Nessa nova ocupação no Campo Comprido, corro o risco de perder tudo de novo.”

Responsabilidade terceirizada

A Prefeitura de Curitiba informou em nota que por se tratar de um terreno privado, não há responsabilidade sobre o caso e que disponibilizou agentes da Fundação de Ação Social (FAS), dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e do Conselho Tutelar para orientar e ofereceu abrigo às famílias despejadas. 

O prefeito Rafael Greca (DEM) manifestou-se pelo twitter:

https://twitter.com/RafaelGreca/status/1339663405758771210?s=20

O Estado do Paraná, por outro lado, afirmou em nota que a Polícia Militar estava apenas cumprindo decisão judicial e que o atendimento aos moradores da cidade cabe à Prefeitura de Curitiba.

 

Fundação de Ação Social

Sobre a atuação da FAS e do Conselho Tutelar na ocasião do despejo, as versões variam de morador para morador. Há pessoas que dizem não ter havido nenhum tipo de suporte por parte destes órgãos, enquanto outros confirmam a versão da Fundação de Ação Social, que diz ter oferecido acolhimento para os moradores em abrigos do município.

Segundo a fundação, a comunidade recusou o convite para encaminhamento aos abrigos da Prefeitura. Somente nove famílias aceitaram o auxílio e “a maioria dos moradores já são atendidos pelo CRAS Corbélia”.

Hoje, os abrigos da FAS contam com 1461 vagas. Dessas, 1055 já estão em uso. Ou seja, caso as famílias aceitassem o acolhimento, não haveria estrutura para receber a todos.

Há também duas unidades com 130 vagas equipadas que podem ser ativadas a qualquer momento em caso de emergência.

Agentes da FAS no momento da desocupação Foto: FAS

 

Habitação Popular 

A Companhia de Habitação Popular de Curitiba, a COHAB, informa que até o momento não foi procurada pelas lideranças locais e está disposta a receber uma comissão que represente os moradores, por meio da Diretoria de Relações Comunitárias.

Até a presente data, não há projeto de atendimento. A COHAB declara que “a orientação é para as famílias se inscreverem na fila da COHAB e aguardarem futura convocação respeitando os critérios do programa habitacional.”

A COHAB orienta que haja uma reunião para que possam conhecer as famílias, o perfil, se já possuem inscrição, quantos são e avaliar as situações de maior vulnerabilidade.

População desassistida

Instalados agora no Campo Comprido, moradores relatam o descaso das autoridades enquanto improvisam banheiros e chuveiros no terreno da rua Renato Polatti. 

Geremias de Oliveira Custódio, uma das lideranças da ocupação Nova Guaporé, fala sobre o momento da desocupação do espaço e o direito à moradia digna, previsto na Constituição Federal.

 

Cauã, 11 anos, mostrando o que restou dos pertences de sua família

Outras formas de apoio

O Núcleo de Habitação do PSOL está mobilizado desde a semana passada em razão de outro despejo violento na Nova Caiuá, a cinco quilômetros da antiga Nova Guaporé. 

Para Gabrielle Gritten, uma das responsáveis pelo núcleo, afirma que “não deu tempo de prestar assistência para essas famílias e já ocorreu outro despejo. As doações que nós estamos arrecadando, a nossa intenção é atender ambas as situações. Conseguimos bastante doações, acho que a gente vai conseguir atender todo mundo.”

Gabrielle pontua também que “quando acontece um despejo, as famílias ficam pulverizadas, umas vão para a casa de parentes, outras vão para a casa de amigos, algumas ficam ao relento, infelizmente, e outras vão para outras ocupações, na forma que dá.”

 

 

Começando no zero no bairro Campo Comprido

Defensoria Pública

O Núcleo de Conflitos Fundiários da Defensoria Pública recorreu à decisão com um agravo ao Tribunal de Justiça, mas foi rejeitado.

Confira a fala da defensora pública Olenka Lins e Silva Martins Rocha:

Poder público

O deputado estadual Goura (PDT) foi o único representante do legislativo a estar presente na ocasião da desocupação. Ele comenta sobre o momento e a atuação dos órgãos públicos. Confira a fala do deputado:

 

A moradora Rosângela de Freitas desabafa sobre a situação de despejo às vesperas do natal.

Doações

A comunidade pede doações dos seguintes itens:

  • Máscaras
  • Álcool em gel
  • Itens de higiene e cuidados pessoais
  • Materiais de construção
  • Materiais de limpeza
  • Alimentos
  • Lonas
  • Brinquedos (para o Natal das crianças)

As doações podem ser entregues na rua Renato Polatti, 2008, no Campo Comprido, em frente à academia Uplay. 

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